"Sempre estive convencido de que era de esquerda e ainda que não me pareça muito importante esta coisa da trigonometria política continuo a insistir em ser de esquerda e do Benfica. Mas nos últimos tempos fiquei surpreendido ao vê-lo avaliar quem é e quem não é de esquerda, como o mesmo rigor anatómico com que as velhas ciganas analisam a virgindade de uma donzela em vésperas do casamento.
Ao vê-lo certificar que o BE é de esquerda e assegurar que só dará esse título a Manuel Alegre se o poeta rezar meia dúzia de terços e lavar a barba em água benta fiquei com dúvidas. Já entradote, ainda que menos do que Manuel Alegre e do que Louça, dei comigo a pensar se nesta coisa de ser esquerda não sucederá o mesmo que com a inspecção automóvel, depois de alguma rodagem temos que ser sujeito a inspecções periódicas, para levarmos o certificado de que está tudo conforme e ainda somos de esquerda.
Confesso que não dei pela adjudicação do centro de certificação de esquerda, até admito que tenha chamado a si essa tarefa, se o papa insiste no dogma da sua infalibilidade o senhor também está no direito de assumir tal tarefa, enfim, a cada louco a sua mania.
Mas já que é o senhor que tem a difícil tarefa de certificar de quem é de esquerda e como não quero ser multado por exibir um selo desactualizado, dirijo-me a si para que me diga o que devo fazer para ser de esquerda. Confesso que tenho pouca coisa para assegurar que verifico as condições, ainda não chamei nem fascista nem filho da outra a José Sócrates, não tenho feito as greves convocadas pela CGTP nem participei nas suas manifestações e quanto a festas do Avante só lá fui três vezes desde que se realiza, o que deve ser um número menor do que o das visitas de Marcelo Rebelo de Sousa ou do Fernando Seara.
Enfim, fico a aguardar a sua resposta e até que volte a obter a certificação de esquerda não assumirei qualquer posição, serei um apátrida ideológico."
Com a devida vénia